quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Notícia da semana: Capitão Nascimento tem algo de Shakespeare

Braúlio Mantovani, roteirista de "Tropa de Elite", estreia no romance e diz que policial não se vê como criminoso. Escritor, com formação em Letras, recorre a medos da infância para explicar clima de alucinação de "Perácio"


"Sofro de pesadelos desde a infância", diz Bráulio Mantovani para explicar o clima de alucinação que predomina em "Perácio", seu primeiro romance. 
Roteirista de "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite", Mantovani também volta no tempo para abordar outro sentimento forte no livro - a culpa. "Eu acreditava em Deus quando criança e me sentia vigiado por um Big Brother celestial."
Passado em uma instituição psiquiátrica no interior de SP, o romance - cujo título lhe veio de uma campanha política em que trabalhou - promete abrir um novo campo em sua produção. "Tenho muita coisa na gaveta."
Formado em Letras, fala sobre a gênese de sua criatura mais famosa. Capitão Nascimento, o herói às avessas, tem um tanto de Shakespeare, diz. Inesperado, mas "Tropa de Elite" nasceu na Inglaterra elizabetana.


Este romance é um acerto de contas com sua formação em literatura?
Sem dúvida. Quando me formei, em 1984, não havia a profissão de roteirista. Pensava em ser professor universitário, fazer pesquisa, mas meus professores diziam que eu bagunçava demais os conceitos... Então me dei conta de que minha pegada era mais para o lado criativo mesmo.


Lançando-se em um gênero nobre da literatura, você está procurando se legitimar como escritor?
Não, porque comecei a trabalhar nesta história muito tempos atrás. São viagens bem diferentes. A literatura é algo solitário, enquanto o roteiro é algo muito coletivo - o diretor, o montador, os atores contribuem. Você tem muito pouco controle sobre um roteiro. Já no caso da literatura, o controle é total - e acho mais prazeroso.


Trabalhou com nomes centrais do cinema nacional. É possível compará-los?
São todos muito diferentes. Walter Salles é um sujeito que entende muito de cinema. Mas ainda quero fazer um filme a partir do zero com ele. Em "Linha de Passe", entrei no meio e apenas ajudei. Bruno Barreto (''Ultima Parada 174") é mais clássico, enquanto tendo uma coisa mais desconstruída. Tive de fazer um certo esforço para entrar na forma narrativa que agradava mais a ele. Costumo dizer que escrevo como se eu estivesse compondo rock.
Já José Padilha ("Tropa de Elite") é mais parecido como o Fernando (Meirelles, de "Cidade de Deus"). Querem, antes de tudo, fazer um filme legal... Por isso, arriscam, mesmo em coisas que os manuais do roteiro considerariam forçadas. 


"Tropa de Elite" é fascista?
Não entendo como podem achar isso. Ao contrário, a mensagem que me interessa é: "'É esse tipo de polícia que a gente quer para o país?".


Você é a favor da liberação da maconha?
Sou. Não faço nenhum tipo de apologia, mas quem quer usá-la deveria ter o direito. As pessoas deveriam ser informadas do risco, como o são do álcool e tabaco.


Fuma um baseado?
Não gosto. Me faz perder o senso crítico.

Há algo de Shakespeare em suas produções?
Ah sim, "Hamlet" é o marco zero de quem faz literatura dramática. E o Capitão Nascimento tem um tanto de "Ricardo Terceiro" e também de "Macbeth"- pois ele nunca se vê como um criminoso.


por Marcos Flamínio Peres
Folha de São Paulo - 22/11/2010

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