Quando Cristina de Macedo, 47, estava na escola, HQ (história em quadrinhos) era assunto quase proibido.
Hoje, a professora de língua portuguesa do colégio Santa Maria (zona sul de SP) usa nas suas aulas uma adaptação em HQ do livro "A metamorfose", de Franz Kafka, para ensinar seus alunos de 12 e 13 anos o gênero literário dos quadrinhos e, de quebra, apresentar a obra.
"Os alunos têm fascínio por esse tipo de obra. A aceitação é ótima", diz Macedo.
Mas o caminho que as HQs percorreram das bancas de jornal até as salas de aula não foi assim tão simples.
Segundo Paulo Ramos, professor de Letras das Unifesp e autor de livros sobre o uso dos quadrinhos em sala de aula, esse tipo de narrativa foi marginalizada por décadas e, embora ainda seja pouco estudado na universidade, tem ganhado espaço nas escolas.
Ramos aponta dois momentos importantes para essa mudança. O primeiro foi a adoção, em 1997, dos PCNs (diretrizes do governo federal para os currículos escolares), que citam os quadrinhos como gênero a ser estudado.
O segundo foi a distribuição de obras em HQs pelo PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola).
Em 2011, dos 300 livros selecionados para serem entregues em escolas públicas do país, 38 são em HQ ou em imagem. Em 2006, não havia obras do gênero na lista.
O programa do governo federal inclui livros para os ensinos infantil, fundamental e médio. Mas, segundo Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de História em Quadrinhos da ECA/USP, essa é uma ferramenta que pode ser usada em qualquer fase do aprendizado.
"A questão é identificar a história adequada para a idade", diz o professor, que cita sua experiência bem sucedida de discutir o autoritarismo por meio das histórias de "Watchmen", de Alan Moore, no meio universitário.
"Existe uma visão de que quadrinho é coisa de criança. Não é", diz Ramos.
O professor ressalta que, ao contrário do que se imagina, quadrinhos não são uma forma de narrativa simples. Eles envolvem grande número de códigos de linguagem, misturam palavra e imagem.
O quadrinista André Diniz, que tem HQs usadas por escolas de todo o país, concorda que o tema é complexo.
Diniz conta quem para fazer o roteiro e o desenho de seus livros de cunho histórico, realiza extensa pesquisa sobre o contexto em que seus personagens vão aparecer e tem suporte de especialistas.
"Procuro saber sobre linguagem, roupa. Pesquiso em bibliotecas, internet, viajo".
Clássicos
Com o mercado editorial em polvorosa, muitas adaptações de clássicos da literatura foram publicadas.
Se, por um lado, as HQs são uma forma sedutora de leitura para muitos alunos, por outro, até os mais entusiastas do gênero recomendam que se tenha cuidado.
"Ao transpor um clássico para os quadrinhos, você adapta a história, mas grande parte do valor do livro está na forma como a história foi contada", afirma Diniz.
Para Vergueiro, a experiência de ler um clássico é completamente diferente de ler uma adaptação. "São obras diferentes, de autores diferentes. Nada substitui a leitura do romance."
por Patrícia Gomes
Folha de São Paulo - 25/10/2010
por Patrícia Gomes
Folha de São Paulo - 25/10/2010
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